terça-feira, 20 de setembro de 2011

Filosofia do Desapego

"Estou na lida, dando passos para trás, indo ao contrário do mundo, só pra tentar buscar quem sou eu realmente. Afinal, nadar contra o rio não quer dizer se rebelar contra ele, mas as vezes a gente apenas quer saber onde começa o rio. Só não posso me comprometer com o tempo; o que sei ao certo é que estarei no lugar certo quando chegar a hora exata de estar lá."
                                                                                   (Felipe Amorim)

Texto de João Carlos Graça sobre desapego. Esse texto é minha atual religião e objetivo de vida. Uma lição pra todos nós.
                                                             O exercício do desapego

Desapego não é deixar de amar com todas as nossas forças (...).Desapegar (...) é aprender aceitar as coisas e as pessoas como elas são (...).

1.0 Sobre o Apego
Na psicologia moderna, o termo apego possui um sentido positivo em determinadas circunstâncias. Por exemplo, pode se referir aos laços existentes entre uma criança e seus pais. Para os psicólogos, se uma criança não desenvolver um apego inicial aos pais, haverá dificuldades em seu desenvolvimento.

No entanto, durante a existência, parece que o ser humano desenvolve-se e permanece apegado a pessoas e coisas indefinidamente. Há aqueles que fazem disso o sentido de suas vidas.

Mas qual serão as reais possibilidades de cada ser? Será que foram exploradas, discutidas, desenvolvidas, para se acreditar que só se pode ser isso ou aquilo?...

Numa perspectiva crítico-reflexiva, pode-se entender o conceito apego como dependência. Durante parte da vida cada um de nós depende dos pais, só sobrevivemos no mundo por manter esse laço de dependência. Porém, em grande parte, esse laço de dependência em vez de ser afrouxado passa a ser reforçado pela educação familiar. Assim os membros do núcleo familiar reforçam a idéia que apego é sinônimo de amor.

2.0 Refém emocional
A dependência psicológica a seres e coisas é um dos mais sérios entraves ao desenvolvimento pessoal. Quase sempre - com honrosas exceções - o amor recebido e dado é seqüestrador, ou seja, fazem-se seqüestradores e reféns emocionais no âmbito das relações humanas.

Sempre que nos dedicamos a alguém esperamos algo em troca. Nossa ação possui uma expectativa de retorno, de vantagem de alguma coisa. Logo queremos fazer algo por alguém não por amor, um ato de generosidade, mas pelo sentido de que teremos algum tipo de compensação; fazendo do outro um ser cativo, subordinado as injunções de nosso pequeno egoísmo, transformando-o assim em refém emocional.

Às vezes esse processo é inconsciente, é culturalmente tão normal que não percebemos. Acreditamos que por amarmos os outros eles devem corresponder às nossas expectativas e pronto.

Todos nós nos relacionamos com o objetivo único de permuta, isto é, de troca. Somos seres gregários, temos necessidade do grupo, mas também temos necessidade mais particularmente um do outro.

É claro que se trato bem a uma pessoa, se busco respeita-la etc, desejo o básico para que essa relação continue. Ofertamos, mas queremos também receber para dar continuidade à relação.

A questão é que muitos de nós esperamos demais. Às vezes fazemos muito e esperamos muito dos outros, mas nos esquecemos de perguntar se a pessoa quer receber ou não, ou se possui capacidade para devolver no mesmo patamar que ofertamos. Em outras situações ofertamos muito pouco e nos achamos credores das demais pessoas, nos julgamos tão bons que o pouco que fazemos nos parece muito. Há ainda outra situação, da carência... O indivíduo possui questões a resolver em sua estrutura interior e busca nos outros a solução de seus problemas para seu vazio, sua carência estrutural.

Em qualquer uma dessas manifestações há a falta de si mesmo interiormente, o indivíduo encontra-se divorciado de si próprio. O ser sente a falta de si mesmo, de compreender parte de sua história, de sua interpretação da vida, como não consegue atingir a compreensão dos atuais paradigmas transfere essa busca para outro ser ou alguma coisa no afã de saciar sua carência, a ausência de si mesmo.

3.0 Sobre Desapego
Desapego não é deixar de amar com todas as nossas forças alguém, ou deixar algo que nos é muito essencial. Desapegar é aprender a ser livre, a não ser controlados por nossas paixões (apegos) e desejos insaciáveis, é aprender aceitar as coisas e as pessoas como elas são sem querer que elas se subordinem ao nosso jeito de ser.

O desapego também é um exercício de aprender a ser livre e, consequentemente, estender essa liberdade alforriando emocionalmente o próximo. Ele nos ensina a respeitar mais o espaço psicológico dos nossos semelhantes, entendendo-os como particularidades diferentes, como histórias e interpretações de vida diferentes das nossas.

Ninguém é obrigado a nos amar e corresponder na mesma medida. Mesmo porque cada um possui uma forma de viver e encarar a vida, isto é, de amar, viver e ser feliz. Por mais que as vivências sejam diferentes, podemos encontrar pontos de interseção para nos relacionar, aprender e enriquecer nossas vidas. É assim que aprendemos a gostar e interagir com a diferença. É assim que vencemos nossos preconceitos e prevenções em relação aos outros e seus gostos.

Em certo sentido, desapegar significa deixar de controlar, de querer ter posse sobre alguma coisa ou alguém.

Parte do sofrimento humano é oriundo do apego, da dependência e da possessividade que alimentamos em relação a pessoas, coisas e situações. Quando aprendemos de forma sadia a não esperar tanto do outro, a aceitar as circunstancias e pessoas como elas são, sofremos menos.

4.0 Metáfora do urso faminto (ou como o apego nos faz sofrer sem perceber)
Certa vez um urso faminto perambulava pela floresta em busca de alimento. A época era de escassez, porém, seu faro aguçado sentiu o cheiro de comida e o conduziu a um acampamento de caçadores. Ao chegar lá, o urso, percebendo que o acampamento estava vazio, foi até a fogueira ardendo em brasas e dela tirou uma panela de comida, abraçou-a com toda a sua força e enfiou a cabeça dentro, devorando tudo.

Enquanto abraçava a panela, começou a perceber algo lhe atingindo. Na verdade, era o calor da panela: ele estava sendo queimado nas patas, no peito e por onde mais a panela encostava.

O urso nunca havia experimentado aquela sensação. Então, interpretou as queimaduras pelo seu corpo como uma coisa que queria lhe tirar a comida.

Começou a urrar alto. E, quanto mais alto rugia, mais apertava a panela quente contra seu imenso corpo. Quanto mais a tina quente lhe queimava, mais ele a apertava e mais alto ainda rugia.

Quando os caçadores voltaram, encontraram o urso recostado a uma árvore próxima à fogueira, segurando a panela. O urso tinha tantas queimaduras pelo corpo que a panela colou nele. E, mesmo morto, ainda mantinha a expressão de estar rugindo.

Quando terminei de ouvir esta história, percebi que, em nossa vida, por muitas vezes abraçamos certas coisas que julgamos ser importantes. Algumas delas nos fazem gemer de dor, nos queimam por fora e por dentro, e mesmo assim, ainda as julgamos importantes. Temos medo de abandoná-las e esse medo nos coloca numa situação de sofrimento, de desespero. Apertamos essas coisas contra nossos corações e terminamos derrotados por algo que tanto protegemos, acreditamos e defendemos. Para que tudo dê certo em nossas vidas, é necessário reconhecer, em certos momentos, que nem sempre o que parece salvação vai nos dar condições de prosseguir. Tenhamos a coragem e a visão que o urso não teve. Tiremos do nosso caminho tudo aquilo que faz nosso coração arder.

5.0 Considerações
Quanto mais valor damos a uma coisa mais sentimos sua perda.

Pelo pouco que já conheci do sentimento Amor reflexiono que ele nos dá serenidade para avaliar situações e pessoas à luz da razão e discernimento. Aprendemos a ser mais justos e imparciais compartilhando os frutos daquilo que experimentamos com nosso próximo.

Entendo o amor em vários sentidos: o amor de pai, mãe, filho, irmãos, erótico (afetivo-sexual), de amigos, altruísta, espiritual, estético, artístico, cientifico, filosófico, por si próprio.

Cada um vive o amor tal qual como concebe, imagina e interpreta-o. Não existe uma única forma de amar.

De certa maneira todos buscam amar - em muitos sentidos. Mas não fomos educados para tal. Fomos educados, pelo exemplo, a amar com apego, fazendo reféns emocionais para nos sentir seguros da presença e do carinho do outro.

É preciso estar consciente de tal armadilha emocional que nos escraviza ao medo e insegurança, roubando-nos da coragem de poder ser quem nós somos plenamente, sem medo de não sermos amados ou bem quistos.

Roubamos-nos de nós mesmos e vivemos a procura de nosso ser no outro, no mundo. Ninguém poderá me devolver a mim mesmo a não ser eu próprio.

Com certeza é a partir do outro que me faço gente, que sou ser no mundo. O outro é minha referência, é a partir dele que continuo a expressar o meu ser. No entanto, meu ser não está no outro, está em mim, é minha historicidade, são minhas escolhas, é a interpretação (sentido) que dei a vida a partir do mundo... do outro.

A partir daquilo que se é, torna-se mister buscar novos sentidos para ser. Para desvelar o que está impedido pela limitação, pelo medo de ousar a se descobrir.

Um comentário:

  1. Desapego...
    Desapegar é tão necessário quanto viver...
    Só através do desapego conseguiremos viver a vida com a plenitude que ela deve ser realmente vivida!
    Porém, buscamos na vida um sentido, que muitas vezes nos engana e nos trai, de forma que acabamos por decepcionar e nos decepcionar com as pessoas, com as coisas, e até com a própria vida em si...
    É tão difícil desapegar... E quando falo desapegar, falo em todos os sentidos: desapego de coisas e de pessoas...
    Por isso temos que nos adaptar a este lento processo de transição que nos transforma, e nos deixar envolver por ele...
    Nenhuma mudança é rápida, ainda que seja necessária, porque temos muitos defeitos enraizados em nosso ser...
    Tentar sempre! Mesmo que o caminho pareça longo e tortuoso... Eis o segredo para a vitória!
    Tenho certeza que um dia conseguiremos alcançar todos os nossos objetivos de reforma íntima, dentro das nossas próprias limitações humanas e espirituais!
    E com toda a certeza, o desapego é a primeira de todas as armadilhas da vida que devemos vencer!
    Estou contigo nesta luta! Nadando contra o rio, sem tempo certo de chegar...

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